quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Resenha do livro O que é Virtual? de Pierre Lévy

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? – tradução de Paulo Neves, - São Paulo: Ed.34, 1996. 160p.

O livro é dividido em nove capítulos e traz a discussão sobre o virtual, o real e o atual, no qual o autor descreve sobre as diversas formas que o processo de virtualização está presente em nossa sociedade, desmistificando o engano existente entre o real e o virtual.

O autor inicia diferenciando o real do virtual e a oposição enganosa entre os dois termos, onde o virtual significa ausência de existência e o real significa efetuação material, presença tangível. Explica que o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. O virtual é como um nó de tendências e que chama um processo de resolução de um problema.

A virtualização fluidifica a distinções instituídas, aumenta os graus de liberdade, cria um vazio motor. Ela transforma a atualidade inicial em caso particular de uma problemática mais geral, implica a mesma quantidade de irreversibilidade em seus efeitos, de indeterminação em seu processo e de invenção em seu esforço quanto a atualização. Sendo assim a virtualização é um dos principais vetores da criação de realidade.

Pierre Lévy após definir virtualização no seu geral passa a abordar uma de suas principais modalidades: o desprendimento do aqui e agora. Ou seja, o senso comum faz do virtual, inapreensível, o complementar do real, tangível e assim ele aborda uma indicação que não se deve negligenciar: o virtual, com muita frequência, “não está presente”.

Para explicar essa afirmativa, Lévy cita o livro Atlas, de Michel Serres, no qual o autor ilustra o tema do virtual como “não presença” e levanta indiretamente uma polêmica com a filosofia heideggeriana do “ser-aí”, que é a tradução do alemão Dasein que significa existência (alemão filosófico clássico) e existência propriamente humana – ser um ser humano – em Heidegger, pois Serres pontua que o fato de não pertencer a nenhum lugar, de freqüentar um espaço designável, de ocorrer apenas entre coisas claramente situadas, ou de não estar somente “presente”, nada disso impede a existência.

“Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam”. Nem por isso deixa de existir, ou de ser humano, apenas ocorre um desengate entre o espaço físico ou geográfico, entre a temporalidade do relógio e o calendário. E para exemplificar essa assertiva Lévy expõe a conversação telefônica, onde a sincronização substitui a unidade de lugar, e a interconexão, a unidade de tempo e relata que nem por isso o virtual é imaginário. E mais adiante ele explica que era previsível encontrar a desterritorialização, a saída da “presença”, do “agora” e do “isto” como uma das vias régias da virtualização.

No capítulo sobre novos espaços, novas velocidades, o autor inicia explicando que antes de analisar a propriedade capital da virtualização, cabe primeiramente evidenciar a pluralidade dos tempos e dos espaços. Diz que quando a subjetividade, a significação e a pertinência entram em jogo, não se pode mais considerar uma única extensão ou uma cronologia uniforme, mas uma quantidade de tipos de espacialidade e de duração.

Fala que analogicamente diversos sistemas de registro e de transmissão, tais como tradição oral, escrita, registro audiovisual, redes digitais, constroem ritmos, velocidades ou qualidades de história diferentes e que a multiplicação contemporânea dos espaços faz de nós nômades de um novo estilo, que em vez de seguir linhas de errância e de migração dentro de uma extensão dada, salta de uma rede a outra, de um sistema de proximidade ao seguinte. Ou seja ocorre uma extensa metamorfose nos espaços que se bifurcam aos nossos pés, forçando-nos à heterogênese.

Segundo Lévy outro caráter é associado à virtualização, além da desterritorialização: a passagem do interior ao exterior e do exterior ao interior (denominado pelo mesmo de “efeito Moebius”). A mutualização dos recursos, das informações e das competências provoca esses circuitos de reversão entre exterioridade e interioridade. Assim a virtualização é sempre heterogênese, devir outro, processo de acolhimento de alteridade.

No capítulo sobre a virtualização do corpo, o autor inicia relatando que estamos ao mesmo tempo aqui e lá devido às técnicas de comunicação e telepresença. Exemplifica com os equipamentos médicos de visualização e as constantes transformações que o corpo sofre (cirurgias plásticas, alterações metabólicas, dietas...), explicando que a virtualização que o corpo experimenta hoje é uma nova etapa na aventura de autocriação que sustenta a espécie.

Em seguida explica o estudo de algumas percepções somáticas com o objetivo de desmontar o funcionamento do processo contemporâneo de virtualização do corpo e começa pela percepção, cuja função é trazer o mundo aqui. Essa função é externalizada pelos sistemas de comunicação. Explica também que os sistemas ditos de realidade virtual nos permitem experimentar uma integração dinâmica de diferentes modalidades perceptivas e podemos quase reviver a experiência sensorial de outra pessoa.

Simétrica à função da percepção é a função da projeção no mundo da ação e da imagem, onde o autor explica que a projeção da ação está ligada às máquinas, às redes de transportes, aos circuitos de produção e de transferência da energia, às armas. Sendo assim Lévy afirma que um grande número de pessoas compartilham os mesmos enormes braços virtuais e desterritorializados e que os sistemas de realidade virtual transmitem mais que imagens: uma quase presença.

Para o autor a virtualização do corpo incita às viagens e a todas as trocas, exemplificando com os transplantes, no qual o corpo deixa de ser carne primária e torna-se corpo coletivo e não se trata apenas de matéria, mas da virtualização de um só corpo através das redes técnicas e médicas.
Assim ele finaliza dizendo que “cada corpo individual torna-se parte integrante de um imenso hipercorpo híbrido e mundializado”.

Lévy aborda a resplandecência aonde inicia explicando que o corpo sai de si mesmo, adquire novas velocidades, conquista novos espaços e que ao se virtualizar, o corpo se multiplica.

Sobre a virtualização do texto, Lévy aborda que o texto é um objeto virtual, abstrato, independente de um suporte específico e que ao interpretá-lo, o leitor atualiza, mas atualização no que diz respeito à leitura e não realização, pois ao ler o leitor seleciona, esquematiza, associa a outros dados, integra palavras e imagens a uma memória em reconstrução permanente e assim o hipertexto constitui uma objetivação, exteriorização, virtualização dos processos de leitura.

Lévy preocupa-se em explicar a virtualização textual, mas antes sugere atenção à virtualização do computador que ele exemplifica como computador de Babel, que é o próprio ciberespaço. Este está misturando, segundo Lévy, as noções de unidade, identidade e de localização, pois um texto existindo uma única vez no ciberespaço ele já faz parte de um conjunto de vínculos. Assim acontece a desterritorialização do texto devido à digitalização e ao surgimento do hipertexto com a World Wibe Web, que proporciona o crescimento da inteligência coletiva e enriquece a capacidade de leitura.

O autor também aborda a virtualização da economia contemporânea e exemplifica com o crescimento do turismo como um dos ramos mais lucrativos da desterritorialização ou virtualização já que a humanidade tem dedicado tantos recursos a não estar presente em sua casa. Outro exemplo de virtualização na economia são as transações financeiras internacionais que têm uma estreita simbiose com as redes e as tecnologias de suporte digital e que movimentam transações milionárias sem que nenhuma moeda transite pelas mãos dos envolvidos na transação.

Lévy aborda a virtualização do mercado e cita o ciberespaço como precursor no mercado novo, um mercado on line e que não conhece distâncias geográficas. Assim ele contrapõe a virtualização do texto, que faz crescer os papéis do leitor e do autor com a virtualização do mercado que põe em cena a mistura dos gêneros entre o consumo e a produção.

O autor aborda no capítulo 5 sobre as três virtualizações que fizeram o humano: a linguagem (virtualiza um “tempo real” que mantém aquilo que está vivo prisioneiro do aqui e agora), a técnica (virtualiza não apenas os corpos e ações, mas também as coisas) e o contrato (cresce com a complexidade das relações sociais, ou seja, a virtualização da violência).

A virtualização também se faz presente no processo cognitivo, na inteligência e constituição do sujeito e Lévy faz uma abordagem sobre o impacto que a virtualização traz ao proporcionar alterações na inteligência das pessoas ao possibilitar uma troca de experiências e interação entre indivíduos de diferentes lugares no mundo. Isso ele denomina como “inteligência cognitiva”.

Por fim, Pierre Levy faz uma recapitulação das suas descobertas, iniciando pela realização (“encarna uma temporalidade linear, mecânica, determinista”), passando pela potencialização (“produz ordem e informação”), depois a atualização (“cria uma informação radicalmente nova, inventa uma forma”) e por fim a virtualização (“passa do aqui e agora ao problema”).

Pierre Lévy traz uma abordagem sobre o processo da virtualização desde o desenvolvimento das células até o surgimento do homem, ou seja, ele quis mostrar nesse livro que a virtualização é um “movimento que se constituiu e continua a se criar a nossa espécie”. Exemplificou como se dá esse processo da inteligência coletiva, como o virtual está constante em nossas atividades e cabe a nós refletirmos sobre essa constante heterogênese, hominização, esse devir outro que a virtualização apresenta e buscar conhecer, apreender, compreender e pensar na amplitude que a virtualização traz e repensar nossa noção de tempo e espaço tradicionais e a contribuição que estamos dando para esse processo de desterritorialização do tempo e do real.

Pierre Lévy é filósofo. Nasceu em 1956, na cidade de Túnis (Tunísia). Realizou seus estudos na França, doutorou-se em Sociologia e em Ciências da Informação e da Comunicação. Lecionou em várias universidades de Paris e Montréal. Atualmente é professor da UQTR (Université du Québec à Trois-Rivières), na cidade de Quebec, Canadá. Presta serviço a vários governos, organismos internacionais e grandes empresas sobre as implicações culturais das novas tecnologias. É autor de uma dezena de obras filosóficas sobre a cultura do mundo virtual e as novas tecnologias.

Luciene Alves Silva França, Pedagoga, cursando o Curso de Pós-Graduação em Tecnologia e Novas Educações na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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